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– Dói-me.
– Esfrega.
– Se esfregar dói mais.
– Se esfregares atinges o limite do que te dói.
– E depois do limite?
– Depois do limite a dor do que sentes acaba.
– Não entendo.
– O que te dói não é a exacta sensação de dor; o que te dói é a certeza de que pode doer ainda mais.
– Pode sempre doer mais.
– Por vezes és tu mesmo que impões o limite à tua dor, és tu que a domesticas e lhe ordenas onde começa e onde acaba.
– Não tenho esse poder.
– Tens. Relaxa, respira fundo, sente a dor a entrar.
– Já entrou. Está cá dentro.
- A dor nunca está, doer é um processo de fora para dentro. A dor não está; a dor vem.
querida joana, o terramoto apanhou pessoas que faziam amor, pessoas que morriam de uma causa lenta e dolorosa, pessoas que celebravam contratos com apertos de mão, pessoas com instrumentos na terra fértil, pessoas que faziam de conta, pessoas sem relógio. os que faziam amor perpetuaram-no, os que morriam viram a sua morte impedida por uma colectiva e mais bem aceite, os que celebravam contratos perderam as mãos coladas, os que trabalhavam na terra fértil foram soterrados, os que faziam de conta procuraram cumprir uma promessa, os que não tinham relógio escaparam ao tempo. meu amor, sermos egoístas é tentar impedir que as coisas mudem, sermos intensos é não respeitar causas e efeitos, espero-te no meu futuro, ainda que ele não seja o efeito directo de um presente que ainda treme muito.
És linda. E nem sabes quantos pedaços de beleza tive de juntar para chegar a esta conclusão. Para te construir, tive de misturar a conspiração das searas com a tristeza do choupo, a inquietação da cotovia com o cheiro lavado do vento do ocidente. E a firmeza repartida dos livros, com a alegria explosiva dos miosótis e a luz escura das violetas. Juntei depois um pouco de ansiedade das estrelas, a paciência das casas à beira da falésia, a espuma da terra, o respirar do sul, as perguntas de gesso que se fazem à lua. Acrescentei-lhe a canção das margens e pequenos pedaços da angústia do olhar. Não esqueci a intimidade do frio nem a dor branca que habita o coração dos muros. Por fim, deitei na tua pele o sono dos alperces, aos teus músculos “prometi a violência das cascatas, no teu sexo acordei a memória do universo. A tua beleza está no meu desejo, nos meus olhos, na minha desigual maneira de te amar. És linda, repito. Mas tenta não encarar o que te digo como um elogio.