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Até quando pode a memória, e quanto pode, sou o actor e o espectador cúmplice de uma vida perturbada, dramática e irónica. O pouco que percebo dessa massa teatral caótica pode inscrever-se na pauta de uma interpretação menor. Não compreendo nada.
Hoje, já não posso ouvir falar em dialéctica, em competição, em vencer na vida, porque acho que é com nomes desses que se tem tentado encobrir o projecto sempre adiado de descobrir como saber usar a nossa liberdade e, com ela, implantar no mundo o lugar do homem. Eu hoje pergunto-me é se o nosso cérebro não estará a ser informado por um programa errado, oposto à nossa natureza, à matriz primordial do ser humano. Digo mesmo que me é difícil ver com clareza outro caminho embora saiba que a história é uma vaga que avança sem escrúpulos, a escrever o seu roteiro com aquilo que cada um tem de pior, indiferente aos poucos que procuram, nas suas margens, outras águas e outras linguagens. Isto e só ainda um princípio de descoberta mas de que não posso abdicar. De certo modo, é a minha proposta de partilha na aventura da vida.
Queres um cigarro? - pergunta ele. Aceito. Acende-mo com gentileza, embora se pudesse esperar, devido a toda esta tensão, que simplesmente me atirasse o maço de cigarros e a caixa de fósforos. Pretende ser distantemente gentil, mas a mão treme-lhe quando me estende os cigarros. Quer dar-se, dar-se para lá de qualquer expressão inóspita, da teoria masculina da força e do poder. E então ocupo-me do meu corpo. Penteio-me, calço as meias, ponho bâton. O homem folheia um livro. Coloca um disco no pick-up. E quando se vira, talvez para dizer: por favor, fica - eu levanto a cabeça e pergunto: já deixou de chover?