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Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.
Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.
O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce á cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.
Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.
Para que me lastimas
se este é o meu auge?!
Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas torres de marfim.
Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.
Deixava o livro e ficava-se horas a ver o pássaro debater-se na gaiola. Nua, o sol batia-lhe de chapa sobre o corpo estendido na cadeira de repouso vermelha e azul, azul só nas pequenas flores, flores minúsculas aqui e além no tecido brilhante, macio. O livro no chão marmóreo da varanda, a capa dobrada a formar um vinco no verniz lustroso, a gaiola dourada com um suporte esguio, alto, nascendo de uma base tripartida: três pés curvos muito separados, junto à mesa onde se esquecia um copo. E ela nua na cadeira comprida, o sol de chapa no corpo liso, suado.
A casa agora é feita d'ângulos agudos,
de perguntas, de poços descobertos,
e nós perdemo-nos por dentro d'outros mundos
por portas que se abriram para dentro.