Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero. Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for. É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto. Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro.
Tenho ganas de gritar dentro da cabeça. Quero parar, esmagar, partir esse impossível disco gramofónico que soa dentro de mim em casa alheia, torturador intangível. Quero mandar parar a alma, para que ela, como veículo que me ocupassem, siga para diante só e me deixe. Endoideço de ter que ouvir. E por fim sou eu, no meu cérebro directamente sensível, na minha pele arrepiada, nos meus nervos postos à superfície, as teclas tecladas em escalas, ó piano horroroso e pessoal da nossa recordação.
- Falhamos a vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «vou ser assim, porque a beleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Ás vezes melhor, mas sempre diferente.