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Não consigo. É essa a maldade maior de todo este mundo. De toda esta mediocridade. Isola os capazes. Isola os que valem a pena. E comprime-os. E depois não lhes dá voz. E são mais um entre os outros tantos. E por mais que ergam a voz ninguém os descobre. Porque estão perdidos. Porque estão entre todos os outros. E não é possível encontrar a agulha que está entre as agulhas. E não há palheiro. Apenas agulhas. E é mais difícil encontrar uma agulha única quando ela está entre milhares de agulhas banais do que encontrar uma agulha quando ela está num palheiro. Antes uma agulha num palheiro do que uma agulha numa mole de agulhas.
A maldade do mundo é democratizar a mediocridade
Passeio madrugador pelas ruas quase sem gente. Velhos de cartas na mão e juventude amputada nos olhos debatem-se com a incerteza do dia da partida. Uma mulher de seios caídos procura-me na memória e só me encontra quando já estamos distantes. Hesita entre voltar para trás e continuar. Continua. Agradeço-lhe a bondade de me poupar de pessoas. Do outro lado do passeio, um homem estendido no chão viaja no sono que lhe rouba, por momentos, a casa que não tem. Sobre o cartão que é uma cama, os ossos sugam-no de nada ter. E o céu carregado, o céu que não passa. No quiosque, uma velhota confessa-me baixinho, como se temesse estar perante um segredo que pudesse colocar em perigo o futuro da humanidade: “eu sei quem você é”. Retiro-me sem uma palavra. Sempre tive inveja de quem sabe mais do que eu.