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Para lá de qualquer zona proibida

por Maria Rita, em 04.08.14

 

 

 

há um espelho para a nossa triste transparência.

 

 

 

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publicado às 15:01

Sim, quero dizer sim

por Maria Rita, em 22.07.14

 

 

Sim, quero dizer sim ao inacabado
que é o princípio de tudo
e o que não é ainda,
sim ao vazio coração que ignora
e que no silêncio preserva o sim do início,
sim a algumas palavras que são nuvens
brancas e deslizam amplas
sobre um mundo pacífico,
sim aos instrumentos simples
da cozinha,
sim à liberdade do fogo
que adensa o vigor da consciência,
sim à transparência que não exalta
mas decanta o vinho da presença,
sim à paixão que é um ajuste ao cimo
de uma profunda arquitectura íntima,
sim à pupila já madura
que se inebria das sombras das figuras,
sim à solidão quando ela é branca
e desenha a matéria cristalina,
sim às folhas que oscilam e brilham
ao subtil sopro de uma brisa,
sim ao espaço da casa, à sua música
entre o sono e a lucidez, que apazigua,
sim aos exercícios pacientes
em que a claridade pousa no vagar que a pensa,
sim à ternura no centro da clareira
tremendo como uma lâmpada sem sombra,
sim a ti, tempestade que iluminas
um país de ausência,
sim a ti, quase monótona, quase nula
mas que és como o vento insubornável,
sim a ti, que és nada e atravessas tudo
e és o sangue secreto do poema.

 

 

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publicado às 10:56

Mas não vale a pena entrar em mais detalhes.

por Maria Rita, em 21.07.14

 


É claro que me lembro. Havia dois atalhos
pelo meio do pinhal, direcções espantosamente
precisas, animais que não voltei a ver.

Enquanto as colheitas amadureciam nos campos,
havia talismãs pendurados nas árvores e mercúrio
para tratar certas lesões, uma peça vital
do equipamento. Havia girassóis à volta da casa
e as palavras imortais dos espantalhos, uma forma
de evitar que endoidecêssemos. E havia um muro
que era preciso saltar, a manhã gloriosa
da escalada, a ciência das grandes migrações.

Mas não vale a pena entrar em mais detalhes.
Este é o meu corpo. Esta é a minha mente.
Conhecem-se desde a infância e cumpriram pena juntos.

Do futuro nada sei. Apenas que vem aí.

 

 

 

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publicado às 10:54

na nulidade de uma matéria árida e anónima

por Maria Rita, em 27.06.14

 

 

 

Talvez a minha vocação não seja esta
ou seja esta por ter perdido o espaço que nunca tive
Era algo selvagem algo violentamente vivo
o espaço na sua integridade deslumbrante
o mar na sua plenitude de felina substância
as ilhas de ouro verde e as ilhas solares
as grandes pradarias com os seus cavalos vagarosos e tranquilos
a liberdade de ser o fogo com as suas veias indolentes
Sim eu perdi todo esse espaço que nunca tive
e se escrevo é para inventar um espaço a partir desta perda
na ficção de respirar o que há de mais selvagem e mais nu
como se estivesse entre escarpas verdes inundado pela espuma
ou como se estivesse no esplendor do deserto à hora do meio-dia
Mas o que faço não é mais do que um trabalho de insecto
que perfura a cal e as páginas dos livros
para traçar a sua caligrafia insignificante
na nulidade de uma matéria árida e anónima

 

 

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publicado às 10:09

Um desenho de criança...

por Maria Rita, em 22.06.14

 

 

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!

 

 

 

 

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publicado às 10:10

E é preciso isso tudo,

por Maria Rita, em 19.06.14

 

 é porque existe o desejo, o olfacto, e o medo,
e os vivos apaixonam-se por outros vivos,
e lembram-se, por vezes, do enorme número de mortos,
e dentro destes há alguns que os fazem desligar a luz e o trabalho,
e o quotidiano aí já não basta,
porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável

E não basta então a mulher que amamos,
nem os filhos
- os que nos vão sobreviver no tempo -
e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr,
é preciso sair dos ossos,
fugir do obrigatório, à casa,
encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, de um mapa,
fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância
onde Deus era chocolate e o resolvíamos
assim, de uma vez, porque o comíamos

Porque mais tarde crescemos e ganhámos
dinheiro, família, e alguns outros assuntos,
mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar,
de que não sabemos falar.

E é preciso isso tudo,
e por quase tudo o que faltou dizer,
é por isso que é bom, por vezes,
suspender a noite e o coração,
e obrigar o cérebro à paragem surpreendente.

E é por isso que é bom, por vezes,
ocuparmos o corpo no acto de sentar,
e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro,
que nos salve,
por enquanto,
antes de morrermos.

 

 

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publicado às 16:36

e é tudo.

por Maria Rita, em 17.06.14

 

 

 

há doenças piores que as doenças,

há dores que não doem, nem na alma
mas que são dolorosas mais que as outras.
há angústias sonhadas mais reais
que as que a vida nos traz, há sensações
sentidas só com imaginá-las
que são mais nossas do que a própria vida.
há tanta cousa que, sem existir,
existe, existe demoradamente,
e demoradamente é nossa e nós…
por sobre o verde turvo do amplo rio
os circunflexos brancos das gaivotas…
por sobre a alma o adejar inútil
do que não foi, nem pode ser, e é tudo. 

dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

 

 

 

 

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publicado às 19:13

Sentam-no à mesa de um café

por Maria Rita, em 02.06.14

Este homem que entre a multidão 
enternece por vezes destacar 
é sempre o mesmo aqui ou no japão 
a diferença é ele ignorar. 

Muitos mortos foram necessários 
para formar seus dentes um cabelo 
vai movido por pés involuntários 
e endoidece ser eu a percebê-lo. 

Sentam-no à mesa de um café 
num andaime ou sob um pinheiro 
tanto faz desde que se esqueça 
que é homem à espera que cresça 
a árvore que dá dinheiro. 

Alimentam-no do ar proibido 
de um sonho que não é dele 
não tem mais que esse frasco de vidro 
para fechar a estrela do norte. 
E só o seu corpo abolido 
lhe pertence na hora da morte. 

 

 

 

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publicado às 14:04

Há. Há sim!

por Maria Rita, em 30.05.14

 

 

 

há sem dúvida quem ame o infinito,
há sem dúvida quem deseje o impossível,
há sem dúvida quem não queira nada -
três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
porque eu amo infinitamente o finito
porque eu desejo impossivelmente o possível,
porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
ou até se não puder ser...

 

 

 

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publicado às 10:20

deixem passear o vento pelos corredores.

por Maria Rita, em 27.05.14

 

 

A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.

 

 

 

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publicado às 13:30



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