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Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
a música é assim: pergunta, insiste na demorada interrogação sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Escuta, escuta:
tenho ainda uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei,
não vai salvar o mundo,
não mudará a vida de ninguém
- mas quem é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco mais.
Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Respiro o teu corpo: sabe a lua-de-água ao amanhecer, sabe a cal molhada, sabe a luz mordida, sabe a brisa nua, ao sangue dos rios, sabe a rosa louca, ao cair da noite sabe a pedra amarga, sabe à minha boca.
Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
deve haver um lugar onde um braço
A solidão não é forçosamente negativa, pelo contrário, até me parece um privilégio. Talvez a minha solidão seja excessiva, mas eu detestei sempre as coisas mundanas. Estar com as pessoas apenas para gastar as horas é-me insuportável.
É quando a chuva cai, é quando
Um barco atravessa o Tejo. Vem da infância, não sei para onde vai. É branco, dessa brancura só dada às aves. O rio, que não via há tanto tempo, entra agora pelas ruas de Lisboa ao encontro da tão amada luz dos jacarandás.
Volto a ter oito anos neste jardim, vou perder-me nestas ruas, nestas calçadas, onde o grito das gaivotas sobe a rumo, vou correr com o vento de esquina em esquina, subir com as árvores, ser com elas poeira fina.
Havia uma palavra no escuro. Minúscula. Ignorada. Martelava no escuro.
Martelava no chão da água. Do fundo do tempo, martelava. contra o muro.
Uma palavra. No escuro. Que me chamava.