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Todos os dias, a toda a hora, uma após outra, cruzo-me na rua com mulheres que não conheço e nunca conhecerei. Algumas são lindas, outras atraentes, outras aparentam inteligência ou outra característica mental cativante, outras ainda parecem acumular tudo isso. Se, a cada vez que tal sucede, parasse e as parasse, lhes dissesse o que penso e que indícios me fazem pensá-lo (supondo que estivessem dispostas a ouvir-me), levaria uma eternidade a percorrer um quilómetro. Concluo: a vida, esta vida, apressada e inútil, feita de correrias rumo ao vazio, foi esquiçada ao arrepio da beleza e da sua contemplação. A vida é para os brutos. Para os cegos que, como diz o provérbio, não querem ver. A vida é uma moléstia ininterrupta. Ou, se calhar, viver é outra coisa que não isto, é darmo-nos o tempo de parar na rua para dizer às mulheres por que razão são lindas.
Sou de chorar: lugares comuns em filmes irrelevantes; actos de heroísmo vendáveis em múltiplos; sofrimentos com rosto; inteligências ou sensibilidades incompreendidas; solidões; abandonos (a mesma coisa – uma solidão mesmo empenhada, é sempre um abandono, muitos); memórias irrepetíveis e os seus ecos (the way we were, still crazy after all these years, formulações sintéticas em cançonetas); o sexo como entrega/abandono/achamento/epifania – as melhores lágrimas, as mais confusas, inexplicáveis, totais. Sermos livres dá vergonha por sermos presos. Na mesma medida em que sermos presos dá vergonha por sermos livres. As mulheres têm vergonha de ser homens. Os homens têm vergonha de ser mulheres. Todos temos vergonha de sermos pessoas. Humanos. Só. Completamente. E, lá no fundo, sabemos quem pôs em nós essa vergonha – o sacana que não conseguimos deixar de amar mais do a nós próprios. Um nome que é toda (um)a tesão. Deus. E que, para mim, tem o teu rosto, tuas mãos, teus pés, teus joelhos, tua nuca, teu cuspo, tua merda, o teu olhar perdido no horizonte, uma melodia que se apoderou dos meus ouvidos e do meu cérebro como se vinda ininterruptamente dos teus lábios, que me perseguem como um cão misterioso. Foda-se – desculpem-me – mas é a isto que se chama Amor!