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– Dói-me.
– Esfrega.
– Se esfregar dói mais.
– Se esfregares atinges o limite do que te dói.
– E depois do limite?
– Depois do limite a dor do que sentes acaba.
– Não entendo.
– O que te dói não é a exacta sensação de dor; o que te dói é a certeza de que pode doer ainda mais.
– Pode sempre doer mais.
– Por vezes és tu mesmo que impões o limite à tua dor, és tu que a domesticas e lhe ordenas onde começa e onde acaba.
– Não tenho esse poder.
– Tens. Relaxa, respira fundo, sente a dor a entrar.
– Já entrou. Está cá dentro.
- A dor nunca está, doer é um processo de fora para dentro. A dor não está; a dor vem.
O casamento é um lugar comum. Tentei habitá-lo como se habita uma casa: no começo com aventura, com adrenalina, com a necessidade de fazer de cada espaço um espaço de valer a pena: um espaço com prazer dentro. Mas depois a casa perde espaço: há cada vez mais móveis, há cada vez mais espaço ocupado e cada vez menos espaço por ocupar. Mas depois a casa perde-se espaço. E o espaço que sobra é um espaço pequeno, diminuto, asfixiante. E o espaço ocupado é o que já foi, o que não consegues deixar de ver nele: o que um dia foi espaço livre e que agora é apenas um espaço ocupado. Só o espaço livre por conquistar me ocupa verdadeiramente. É a tarefa de ocupar, de ir aos poucos ocupando, conquistando, colonizando, fazendo meu o que me fascina. Não é, nunca é, o próprio espaço ocupado, e a forma como é ocupado, que me faz querer ocupá-lo. O caminho é o único fim possível. O meio é o único meio possível.
Não me venham com merdices. Com merdices de que a presença do amor vai para além do corpo, que é possível amar e sentir à distância como se fosse aqui, pele na pele, olho no olho. Não me venham, ainda, com a ideia de que o amor tem de ser saudável. Merda com isso. Merda para isso tudo. O amor não é saudável – é louvável. O amor é um milagre. E um milagre tem de ser, todos os dias, demencialmente, apreciado. O amor é um milagre diário – e que, para todos os dias poder ser o milagre que é, tem de receber loas e vénias e ser acarinhado e apreciado como se fosse o primeiro dos milagres. E é: o amor é sempre o primeiro dos milagres. Todos os dias, quando o amor continua a ser todos os dias, o amor é um milagre. O amor tem de ser amado. O amor não é uma empresa, não é uma reunião, não é uma associação de duas personalidades. O amor é tudo. É saber que se é aquilo, que se vive aquilo, que se sonha e acorda aquilo. O amor é saber que só se é aquilo. É claro que há os empregos e as carreiras e as obrigações e essas porcarias todas. Mas tudo isso, quando se ama, são meros espaços de passagens, irrelevantes espaços vazios: oco entretenimento para o que realmente interessa. E tu, minha mulher que amarei, tens de entender isso de uma vez por todas. Se queres ser a mulher que eu amo, tens de precisar de mim, tens de me asfixiar de ti, tens de estar, como as minhas pernas e os meus braços, em mim: sempre em mim. É claro que não é saudável, é claro que não é razoável, é claro que é insensato. Mas o amor não é saudável, o amor não é razoável, o amor não é sensato. O amor é para ser aquilo que não tem razão, aquilo que não explicação, aquilo que te tira da tua mão. O amor é para ser aquilo que te renova de ti, de um Eu que sempre foste, e que atira para um nós que nunca deixaste de ser. Depois, com o passar dos dias, se verá se ele resiste. Depois, com o passar dos dias, se verá se ele continua a ser, todos os dias, o milagre que hoje é. Depois pode até matar-te por afogo, enforcar-te por ansiedade. Mas que se dane: se isso acontecer já viveste, abençoado felizardo, o milagre de seres amor: de seres o que é, verdadeiramente, o amor. Se isso acontecer já sentiste a felicidade vezes sem conta, aquela sensação de que se a vida acabasse logo ali já teria valido a pena. Se isso acontecer já foste o deslumbramento de seres amor, a realização de seres amar. Se isso acontecer, já perdeste o ar tantas vezes, já ficaste sem respiração ainda mais tantas vezes. Ama, perde-te em amar, vive amar: sê amar. Deixa que amar te ocupe, deixa que amar te conquiste. Ama o abraço até à exaustão, ama o beijo até à devoção, ama o orgasmo até à comoção. Ama. Ama como se fosse para sempre. E quando se ama, naquele exacto segundo em que se ama, tem de se acreditar que é para sempre. Mais: tem de se ter a certeza de que é para sempre. Amar, mesmo que por segundos, mesmo que por instantes, é para sempre. E é isso, essa sensação de segundos ou de minutos ou de dias ou de horas ou de anos ou meses, que é para sempre. Ama. Ama por inteiro. Ama sem nada pelo meio. Ama, ama, ama, ama. Ama. Porque é só por aquilo que te faz perder a respiração que vale a pena respirar.
- Gosto da tua mente. Podias vender o que pensas.
- Gosto do teu corpo. Podias vender o que fodes.
- Um dia trocamos. Eu abro as pernas e tu abres a cabeça.
- A mente é, para mim, território de ninguém. Ninguém manda no que pensa. Não posso vender o que não domino.
- Em que estás a pensar agora?
- No que tu estás a pensar. Muitas vezes passamos horas a pensar no que outras pessoas estão a pensar. E acabamos por não pensar em absolutamente nada.
- Tens uma mente pornográfica.
- Apetece-te fodê-la, é?
(retirei, descarada e pornograficamente daqui)